domingo, 15 de março de 2009

MARIA DA CRUZ – A HEROÍNA DO ALTO SERTÃO DO SÃO FRANCISCO

* José Geraldo Mendonça

Dona Maria da Cruz era pertencente à família da Torre, e casada com Salvador Cardoso de Oliveira, que era sobrinho de Matias Cardoso de Almeida, fundador das Comunidades de Morrinhos, Amparo e São Romão, além de outras menores nas barrancas do Rio, como Porto de Salgados (hoje Cidade de Januário). Tinha uma filha casada com Domingos Martins Pereira, que era irmão do Vigário Geral da Bahia. Ela era uma pessoal maguinanima, caridosissima, dotado de um espírito verdadeiramente cristão. A casa grande de sua fazenda, Pedras de Baixo era um orfanato. Ela sustentava e cuidava dos enfermos e inválidos. Provia a educação dos menores, pagando os mestres de leitura, música e ofício. Casava as moças e empregava os jovens. Mantinha o culto religioso na capela da fazenda. Era a vida e alma daquela região. A sua Fazenda Pedras de Baixo era administrada com maestria por sua proprietária Dona Maria. Tudo se tornava mais fácil para ela, uma vez que todos a adoravam como a uma santa.

Na revolta contra a cobrança pelos quintos atrasados pelo Governador Martinho Mendonça, ela e seu filho Pedro Cardoso de Oliveira, foram considerados os cabeças do movimento por causa do prestígio que desfrutavam nos altos sertões do São Francisco e Rio Verde.

Tudo começou quando o filho do Mestre de Campo Antônio Gonçalves Figueira, fundador das Fazendas: Brejo Grande, no Rio Pardo, Olhos D´agua e Boa Vista, em Gameleira, Jaíba, no Rio Verde, e Fazenda dos Montes Claros, foi preso na Fazenda dos Montes Claros, onde estava residindo como administrador da mesma, desde que o seu pai voltou para a sua Vila natal, Santos, onde pretendia passar o resto dos seus dias ao lado dos amigos e parentes. Sendo que a prisão de André Gonçalves Figueira na Fazenda dos Montes Claros não tem registro, segundo Diogo de Vasconcelos, no seu livro “Histórias Antigas de Minas”. E segundo ele tudo se deu por causa da devassa, que era como se chamava a cobrança dos impostos atrasados, o quinto. Sendo que tudo começou quando o Rei de Portugal designou para Governador da Província de Minas Gerais o Fidalgo Português Gomes Freire de Andrade, em 1735. O Gomes Freire era um homem maneiroso, que apoiado com o prestígio do seu nome, aliado ao bom senso e uma boa dose de tolerância, resolveu não cobrar os quintos atrasados, condição imposta pelo Rei de Portugal, conseguindo com isto exercer a lei dentro da boa ordem e normalidade. Mas o Rei de Portugal queria mais e mais ouro. Insatisfeito com a administração de Gomes Freire, chamou-o ao Rio de Janeiro e mandou em seu lugar para o Governo das Minas Gerais o truculento Martinho Mendonça com a incumbência de receber os impostos atrasados. E para intimidar os contribuintes que estavam em atraso com os impostos cobrados pelo Rei, o quinto, que depois que a produção do ouro na Província entrou em declínio, resolveu que todos os cidadãos daquele momento em diante teriam que pagar o quinto para que a arrecadação na Colônia não tivesse uma queda acentuada, prejudicando os interesses da Coroa Portuguesa. Com isto os fazendeiros, comerciantes e artesões passaram a pagar o quinto que antes só era cobrado dos garimpeiros e negociantes daquele metal. O Martinho Mendonça organizava as expedições que acompanhavam o seu emissário para aplicar a devassa. O povo das Minas Gerais não aceitava passivamente aquela ação do Governador da Província e reagiam á bala. A primeira se deu barra do Rio das Velhas. A expedição que chegou ali acompanhando o Juiz de Papagaio (Curvelo), Alexandre de Souza Flores, foi recebido à bala pelo Coronel Antônio Tinoco Barcelos e sua gente. No Urucuia não foi diferente. O jovem Matias Cardoso de Oliveira, que era um dos filhos de Dona Maria da Cruz, enxotou o emissário de Matinho Mendonça à bala. Diogo de Vasconcelos deduz daí que a expedição que veio a Fazenda dos Montes Claros tinha um contingente maior de força porque apesar de ter sido rechaçado à bala pelo jovem André Gonçalves Figueira, conseguiu domina-lo e prendê-lo. E segundo consta o incidente da Fazenda Montes Claros não tem registros, mas Dr. Hermes Augusto de Paula acreditava que a contenda ali foi muito seria, pois o André Gonçalves Figueira foi degredado para Angola. E com a prisão deste a Fazenda dos Montes Claros ficou entregue aos agregados. O Sargento-Mor Manoel Ângelo, primogênito de Antônio Gonçalves Figueira assumiu a administração da Fazenda. E foi ele que vendeu a Fazenda ao Alferes José Lopes de Carvalho em 1758, convencido que não era a dele aquela vida no meio rural. A atitude do Governador da Província das Minas Gerais desencadeou um clima de revolta e descontentamento muito forte no povo do Alto Sertão do São Francisco e Rio Verde. Por isto começou a ser organizado um exercito de aproximadamente quinze mil (15.000) homens (segundo o antropólogo Dr. João Batista de Almeida Costa) para marchar contra Vila Rica e derrubar o Governador da Província de Minas Gerais, Martinho Mendonça. E tudo estava preparado para no dia aprazado as forças revolucionarias atacarem Vila Rica.

Aconteceu, porém que o Padre Antônio Mendes Santiago, um dos chefes da revolução, atacou a expedição do Emissário do Governador que foi a São Romão fazer a devassa. Eles foram dominados e presos, mas por poucos dias, porque Domingos Alves Maciel, que não havia aderido ao movimento, pois era inimigo dos Cardoso, resolveu defender os homens do Governador. E invadiu o arraial de São Romão com o seu pessoal atacando o Padre Antônio Mendes Santiago, sem dar tempo de ele pedir ajuda aos seus amigos, e libertou todos da Expedição do Governador. O Domingos Alves Maciel comandava um bando de homens da pior espécie, indisciplinados e violentos. O Arraial de São Romão se entregou sem oferecer a menor resistência para evitar o pior, mas não deixou de sofrer os saques e todo tipo de violência dos homens de Domingos Maciel. Incontinente Pedro Cardoso invadiu o Arraial de São Romão e expulsou o Domingos Maciel e sua gente e restabeleceu a ordem naquela comunidade. Pedro Cardoso era completamente avesso ao banditismo. Os homens de Domingos Maciel, após o incidente romperam com o seu comando e saíram para o sertão das Gerais invadindo tudo, matando animais, queimando fazendas, saqueado, assassinando e cometendo toda sorte de violências por onde passavam. Ao Pedro Cardoso não restou outra alternativa se não partir em busca desses bandidos e combate-los até exterminar com todos eles. Com isto a idéia da revolta ficou em segundo plano e esfriou já que o perigo do banditismo era mais eminente naquele momento.

O Governador Martinho Mendonça se pôs calmo, afinal ele acabou com a revolta sem gastar um só tiro. A vista do fracasso dos revoltosos o Governador se organizou para com a ajuda dos Dragões (Polícia Especial do Governo Português na Colônia) prenderem todos os chefes da revolta. Mas aconteceu que todos fugiram para lugares ermos e desconhecidos do sertão das Gerais. E um dia quando a vida já havia voltado ao normal para todo mundo e as pessoas já estavam cuidando dos seus afazeres chegou a Fazenda das Pedras de Baixo, o Ministro Manoel Dias, e procurou a Dona Maria da Cruz solicitando-lhe a presença em São Romão para prestar algumas informações. Mas somente depois de embarcada foi que ela descobriu que estava presa. Em São Romão juntou-se a Pedro Cardoso e outros Chefes já aprisionados e todos foram levados para Vila Rica e, em seguida, para Salvador. E lá na Bahia começaram os interrogatórios e no decorrer do mesmo Pedro Cardoso assumiu sozinho toda a responsabilidade da revolta alegando que apenas usou o prestígio e nome da sua mãe, Maria da Cruz, para tentar organizar o movimento contra o quinto e que ela era inocente, assim como todos os outros prisioneiros ali presentes. O Vigário Geral da Bahia que conhecia muito bem as obras sociais de Dona Maria da Cruz e todos os outros prisioneiros ali presentes, porque naquela época essa região do Alto Sertão do São Francisco até o Rio das Velhas fazia parte da Província da Bahia, intercedeu junto às autoridades portuguesas conseguindo as suas libertações. Dona Maria da Cruz voltou para a sua Fazenda e sua gente e Pedro Cardoso foi degredado pela Coroa Portuguesa. E este foi o primeiro episódio da Inconfidência em Minas Gerais e foi chamada de Inconfidência Sanfranciscana (segundo o Antropólogo Dr. João Batista de Almeida Costa). E este assunto é marcado de muitos pontos obscuros por falta de registros oficiais e o que se sabe é baseado em relatos orais obtidos por alguns pesquisadores. Sendo que seria imprescindível que se pesquise mais sobre este assunto que é importantíssimo para o Norte de Minas, já que em breve seremos um novo Estado da União.

Fonte: PAULA, Hermes Augusto. Montes Claros – Sua História, Sua Gente e Seus Costumes. 2ª Ed., Montes Claros, 1979;
VASCONCELOS, Diogo. Histórias Antigas de Minas, 1ª Ed.
Relato do Dr. João Batista de Almeida Costa em entrevista a TV Geraes.

* mendonca_josegeraldo@yahoo.com.br

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